19.12.07

DE ENCONTROS II – O FIM DA PRIMAVERA

De longe, eu a observava. Sentada no meio fio, recostada junto à parede, o corpo curvado por sobre suas pernas dobradas bem junto ao peito. Recriara naquele fim de primavera o bucolismo próprio do entardecer d’outros tempos... Pude reconhecê-la naquele mesmo olhar perdido - era a mesma, embora as feições mais graves a tentassem disfarçar...Talvez mais madura - suas lágrimas contidas como que por orgulho; talvez não mais acreditasse em finais felizes...Revelava em seu rosto levemente erguido a mesma dor sufocada, a mesma impressão rarefeita. De novo, somente o arrependimento até então não conhecido... Era a mesma menina das demais primaveras. A flor d’outros dias, ela ainda era.



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1.10.07

DE ENCONTROS

E aqueles olhos, como sempre, embriagavam-lha do infinito. Não sabia ao certo se eram de passado ou de futuro, mas de fato, sempre a acompanhavam onde quer que precipitassem-se seus passos. E se bem que fossem distantes naquele momento: ela n’outros sonhos, ele n’outros mundos, em algum momento seus pensamentos se encontravam; e naquele segundo eram somente um, malgrado a realidade forjada perseverasse em os despertar...




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7.8.07

ASAS

Os anos presenteavam-lhe com asas. Não sabia, entretanto, como usá-las... Guardava-as ao alcance dos olhos na infantil tentativa de, à noite, antes de dormir, aquela última imagem inspirar seus sonhos, impulsionar seu ilusório vôo no qual a brisa envolveria seu rosto, delicadamente. Ao menos no sono. Ao menos por sonho. E sempre, ao acordar, como que num ritual ficava ali: imóvel, respirando baixinho, quase imperceptivelmente. Seus olhos cerrados para a realidade. Sabia que não adiantaria evitá-la, ela sempre chegaria com suas correntes. Mas continuava ali. Quieta. Quase como uma santa em oração, rogando aquelas mesmas asas para seus dias. Asas de proteção.




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20.6.07

ÁRIA

Espalhava suas notas em falsete. Escondia-se por trás daquelas que, um dia, forjaram o refrão mais esperado - e acreditava àquela época, malgrado toda realidade que se fazia apresentar, que repetiriam-se aqueles versos no infinito de suas composições. Seus dias eram sonatas. Experimentava os segundos com a delicadeza de passos conduzidos por sobre uma passarela de desejos; dali a outros, ensaiava miúdos passos numa marcha desconcertante rumo ao que se desconhece das próprias emoções. Sem partituras. Sem regência a pautar seus ritmos e arroubos. Em ária - letra e melodia - magistralmente, seus dias em valsas ela mesma compunha.



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7.6.07

DAS DEFESAS

A casca dura. O peito desfazia-se noutras camadas: eram defesas, trincheiras. Buscava palavras na intenção de maquiar seus olhos prestes a inundar, sentia-se – em verdade – nua. Faltavam-lhe mais que palavras, carecia daquela outra parte sua, a mesma que há muito julgara perdida nos primeiros raios dos róseos anos. Forjava, embora não sem sofrimento, a fortaleza que já não era, e vestia-se de gelo – esquecia, porém, que derreteria, bastasse apenas uma ameaça de calor. Conhecia o quanto frágil era. Não o aceitava, entretanto, motivo pelo qual os anos serviram-lhe de palco para os constantes embates contra o que já lhe era essência. Perdeu-se nos anos, e n'outros tantos, enganos. Mas aquela verdadeira parte, a menina, ainda podia ser vista - talvez de passagem, ou na lembrança do que um dia fora, quiçá ainda desejando crescer. Ou talvez, orando, pra um dia, finalmente, por si mesma vista ser.



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5.6.07

INAUGURAL

Grafia à esmo, assim mesmo.
Não se permitir tolher sob o véu da suposta intelectualidade e gosto apurados - desconfiar do que se esconde atrás de personas, projetos, arquétipos...

Desejar mais. Sempre mais.

A falibilidade do que se supõe.
A surpresa do que se dispõe.
A descoberta constante do que em mim, compõe.
Abrir-me das amarras, em amargas, as chagas, fartas impressões.
Outro foco, outro sentir.
A idade dos sonhos é a mesma das nuvens.
A textura da palavra é a mesma da minha mão.
Tudo cumpre a possibilidade de uma conspiração e deriva da instabilidade de um senão. Ou não.


Aqui, as percepções de um cotidiano inspirador.
Em cada segundo uma constatação, nessa constante ausência de um ponto final...


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