10.3.09

DO MEDO

Por segundos, vestiu-se de uma história desconhecida. Ali. Desarmada. Pela primeira vez não poderia recorrer aos códigos e manuais de conduta. Sua face inexplorada a tomava... Suas inseguranças, naquele momento, fundiam-se - delineavam uma personalidade indesejada. Sentia-se fraca. Acompanhada, eram somente ela e seus medos.


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24.10.08

A CURA II

O olhar perdido no profundo das privações. Assim ele era. Assim ele se via. Recolhido em si, o sorriso vago era disfarce; suas mãos inquietas, reflexo da falta pela qual se via tragado. Continha-se, embora seu interior gritasse. Contemplava-a à distância com uma ternura contida, quase servil. E naquele dia, ele a teve, embora sem saber. Sem que ele notasse, do alto de suas torres tão bem alicerçadas, ela se entregou. E foram um do outro sem perceber, no mesmo instante em que julgavam ver outro sonho, na realidade, esmaecer.



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15.5.08

A CURA

De joelhos, o rosto marcado das horas passadas. Horas sonhadas, desejos retalhados pelo fim. Ao fundo, um bolero compassava o choro - antes sufocado - e embalava as lembranças de um tempo bom. Enfrentava, embora não sem medo, o caminho que se mostrava longe e indefinido, e agora, precisaria ser percorrido. Temia o que poderia ser um desvio definitivo, a despedida da única certeza que a alimentara durante anos...
E assim, como que num ritual, despiu-se do passado. Deixou-se curar.




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19.12.07

DE ENCONTROS II – O FIM DA PRIMAVERA

De longe, eu a observava. Sentada no meio fio, recostada junto à parede, o corpo curvado por sobre suas pernas dobradas bem junto ao peito. Recriara naquele fim de primavera o bucolismo próprio do entardecer d’outros tempos... Pude reconhecê-la naquele mesmo olhar perdido - era a mesma, embora as feições mais graves a tentassem disfarçar...Talvez mais madura - suas lágrimas contidas como que por orgulho; talvez não mais acreditasse em finais felizes...Revelava em seu rosto levemente erguido a mesma dor sufocada, a mesma impressão rarefeita. De novo, somente o arrependimento até então não conhecido... Era a mesma menina das demais primaveras. A flor d’outros dias, ela ainda era.



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1.10.07

DE ENCONTROS

E aqueles olhos, como sempre, embriagavam-lha do infinito. Não sabia ao certo se eram de passado ou de futuro, mas de fato, sempre a acompanhavam onde quer que precipitassem-se seus passos. E se bem que fossem distantes naquele momento: ela n’outros sonhos, ele n’outros mundos, em algum momento seus pensamentos se encontravam; e naquele segundo eram somente um, malgrado a realidade forjada perseverasse em os despertar...




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7.8.07

ASAS

Os anos presenteavam-lhe com asas. Não sabia, entretanto, como usá-las... Guardava-as ao alcance dos olhos na infantil tentativa de, à noite, antes de dormir, aquela última imagem inspirar seus sonhos, impulsionar seu ilusório vôo no qual a brisa envolveria seu rosto, delicadamente. Ao menos no sono. Ao menos por sonho. E sempre, ao acordar, como que num ritual ficava ali: imóvel, respirando baixinho, quase imperceptivelmente. Seus olhos cerrados para a realidade. Sabia que não adiantaria evitá-la, ela sempre chegaria com suas correntes. Mas continuava ali. Quieta. Quase como uma santa em oração, rogando aquelas mesmas asas para seus dias. Asas de proteção.




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20.6.07

ÁRIA

Espalhava suas notas em falsete. Escondia-se por trás daquelas que, um dia, forjaram o refrão mais esperado - e acreditava àquela época, malgrado toda realidade que se fazia apresentar, que repetiriam-se aqueles versos no infinito de suas composições. Seus dias eram sonatas. Experimentava os segundos com a delicadeza de passos conduzidos por sobre uma passarela de desejos; dali a outros, ensaiava miúdos passos numa marcha desconcertante rumo ao que se desconhece das próprias emoções. Sem partituras. Sem regência a pautar seus ritmos e arroubos. Em ária - letra e melodia - magistralmente, seus dias em valsas ela mesma compunha.



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